quarta-feira, 17 de abril de 2024

Filosofia da Arte: Teoria Histórica





Filosofia da Arte: 

Teoria Histórica


Como a designação da teoria deixa adivinhar, para Levinson a essência da arte reside no seu carácter histórico ou retrospetivo. Toda a arte é o resultado de uma atividade humana que se relaciona com o seu passado através da intenção de um indivíduo, que pode ou não conhecer essa história. Todas as obras de arte se referem necessariamente ao seu passado e, como tal, é legítimo considerar que, mais do que uma sucessão de eventos, existe evolução na arte. A responsabilidade por essa evolução pode atribuir-se não a uma instituição, mas às intenções de indivíduos que pretendem que certos objetos sejam vistos como já o foram obras de arte do passado. Uma das primeiras versões da definição histórica proposta pela teoria é a seguinte:

«(I) X é uma obra de arte = df X é um objeto acerca do qual uma pessoa ou pessoas, possuindo a propriedade apropriada sobre X, têm a intenção não-passageira de que este seja perspetivado-como-uma-obra-de-arte, i.e., perspetivado de qualquer modo (ou modos) como foram ou são perspetivadas corretamente (ou padronizadamente) obras de arte anteriores.»

 (Levinson, 1979, p. 236)

Como a própria mancha de texto deixa adivinhar, Levinson pretende formular uma definição explícita composta por condições necessárias e suficientes. Para compreender se é ou não uma definição correta é preciso explicitar os termos da definição. A primeira condição é a do direito de propriedade. Segundo esta, o artista não pode transformar em arte objectos que não lhe pertençam ou em relação aos quais não esteja devidamente autorizado a agir pelos seus proprietários. A esta luz fica vedada ao artista a possibilidade de transformar em arte algo que, não sendo seu, apenas indica ou nomeia como tal. O exemplo paradigmático de uma tentativa de o fazer foi protagonizado por Duchamp em 1916, quando indicou como arte o Edifício Woolworth. 



Das suas notas figurava uma indicação para procurar uma inscrição para o Edifício, então o mais alto de Nova Iorque, como readymade. Contrariamente ao que diria Dickie, que aceitaria que o Edifício Woolworth adquiriria o estatuto de obra da arte com a apresentação, Levinson afirma que este não pode chegar a ser arte, porque Duchamp não o possui nem está autorizado pelos seus proprietários a usá-lo como produto artístico. Pelas mesmas razões, os artistas não poderão transformar em arte paisagens, pessoas ou acontecimentos sob os quais não tenham qualquer direito de propriedade. Esta condição afasta a teoria Histórica tanto da proposta Institucional como de todas as outras que afirmam que tudo pode ser arte. Propõe também que se abandone uma visão caricatural do artista em que este surge dotado de um toque de Midas, capaz de transfigurar tudo o que a sua arbitrariedade artística selecionar como arte.

A segunda condição é a existência de um certo tipo de intenção que relaciona a arte do presente com a arte do passado. A arte requer conhecimento que se adquire ao longo do processo de socialização. Mesmo que não possua quaisquer crenças verdadeiras acerca da história da arte, o artista é alguém que tem conhecimentos suficientes acerca dos objetos e dos auditórios para poder formar intenções acerca desses objetos que fazem referência àquilo que a arte já foi. Mas que relação intencional é essa? E em que sentido é usada a palavra «intenção»? Em primeiro lugar, note-se que, para Levinson, a expressão «tem intenção de» é usada em sentido lato, significando esta apenas «faz, apropria-se ou concebe com o propósito de». Ter uma intenção, neste caso, é, então, ter um propósito ou uma finalidade em mente, e desenvolver uma ação para o atingir. Esta pode consistir em fazer, apropriar-se ou conceber algo. Depois, exige-se que a intenção não seja transitória, mas sim persistente ou estável. Impede-se assim que a arte seja fruto de caprichos passageiros ou de ímpetos momentâneos.

 

Paula Mateus, A teoria histórica de Levinson

https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/24224/1/Paulo%20Mateus.pdf

(O sublinhado é nosso)


LOLA

domingo, 14 de abril de 2024

Filosofia da Religião: o que é?

 


O que é a filosofia da religião?


Atenas e Jerusalém

A filosofia da religião não está preocupada com a religião como um fenômeno social, cultural ou político, mas com questões filosóficas que são provocadas pela fé e experiência religiosa. Algumas dessas questões tratam a religião em geral. Por exemplo, filósofos da religião estão interessados na natureza da experiência religiosa, e se isto fornece evidência para a existência de uma dimensão sobrenatural. Algumas dessas questões dizem respeito a famílias específicas de religiões. Por exemplo, filósofos da religião estão interessados na concepção de Deus que é endossada por aderentes às fés abraâmicas (isto é, judaísmo, cristianismo e islamismo) e se há boas razões para pensar se esse Deus, como é concebido por essas fés, existe. E algumas dessas questões tratam, especificamente, de tradições religiosas. Por exemplo, filósofos da religião consideram se a doutrina cristã da Trindade – a reivindicação que esse deus é “três pessoas em uma” – é inteligível, ou se a rejeição budista do self é consistente com a teoria do karma.

O exposto pode sugerir que há uma estreita conexão entre a filosofia da religião e a teologia. Afinal de contas, a teologia também não se preocupa com questões relativas à existência de Deus, à natureza da crença religiosa e coisas do tipo? Há, de fato, uma relação íntima entre essas duas disciplinas, e a natureza e localização do limite entre elas é um assunto questionado. Um modo de distinguir teologia da filosofia da religião está na perspectiva que alguém adota na tentativa de responder uma questão específica. A discussão teológica ocorre dentro do contexto de uma tradição religiosa específica, enquanto a discussão filosófica ultrapassa as fronteiras entre tradições. Suponhamos que você está considerando se Deus teria criado o tempo. 

No contexto de uma discussão teológica, poderia ser apropriado recorrer à autoridade de um texto religioso ou estudioso deste problema, mas tal apelo não seria geralmente apropriado se alguém está envolvido com a filosofia da religião, pois as autoridades religiosas que são reconhecidas pelos membros de uma tradição religiosa provavelmente não são reconhecidas pelos membros de outras tradições religiosas. Isto não significa que a filosofia da religião está restrita somente àqueles que não se identificam com uma religião particular, mas significa que os tipos de consideração que alguém pode recorrer, na medida em que está envolvida com a filosofia da religião, são considerações que deveriam, pelo menos em princípio, ser convincentes às pessoas independentemente de suas convicções religiosas.

Religiões exibem uma ampla variedade de atitudes em relação à filosofia (e, com certeza, em relação aos filósofos!). Algumas religiões abraçam a reflexão filosófica. Na verdade, há um número de religiões – budismo, hinduísmo e taoísmo, por exemplo – nas quais a própria distinção entre filosofia e religião está longe de ser nítida, e algumas linhas no íntimo dessas religiões exibem atitudes mais ambivalentes em relação à filosofia. Essa ambivalência é particularmente marcada em relação às religiões abraâmicas. As escrituras do judaísmo, cristianismo e islamismo têm muito pouco de reflexão filosófica explícita, e as afirmações que elas fazem sobre Deus não são baseadas, geralmente, em argumentos, mas sim, em situações relacionadas à revelação e à palavra dos profetas. Além disso, suspeitar do método filosófico é um tema comum nas religiões abraâmicas. Essa suspeita foi resumidamente capturada no século II da era cristã pelo teólogo Tertuliano, quando ele questionou: “O que Atenas tem a ver com Jerusalém?”. É claro que Atenas representava a tradição filosófica grega, enquanto Jerusalém representava a tradição profética hebraica.

No entanto, a relação entre as fés abraâmicas e a reflexão filosófica é algo complexo. Embora muitos tenham contrastado “O Deus dos filósofos” com “O Deus de Abraão, Isaac e Jacó” (como disse o filósofo francês Blaise Pascal), as fés abraâmicas se vangloriam de longas histórias da sofisticada reflexão filosófica sobre temas religiosos. 




Filósofos cristãos que contribuíram muito para a filosofia da religião incluem 

Santo Agostinho (354-430), 

São Tomás de Aquino (1225-1274), 

João Duns Scotus (1266-1308), 

Guilherme de Ockham (1287-1347), 

René Descartes (1596-1650), 

John Locke (1632-1704) e 

Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716). 

Filósofos judeus que fizeram contribuições importantes para a filosofia da religião incluem

 Maimônides (1135-1204), 

Gersonides (1288-1344) e Espinosa (1632-1677). 

E dentre os muitos pensadores islâmicos que deram grandes contribuições para a filosofia da religião estão

 Al-Kindi (c.800-8700), 

Al-Farabi (c.870-c.950), 

Al-Gazali (c.1056-1111),

 Ibn Rushd (1126-1198, também conhecido como Averróis) e 

Ibn Sina (c.920-1037, também conhecido como Avicena). 

Embora esses pensadores pertençam a contextos sociais e tradições religiosas muito diferentes, todos eles assumem que a filosofia tem uma função central a desempenhar quando se trata dos assuntos religiosos.

Apenas uma questão de opinião?  

Apesar da longa história da reflexão filosófica sobre temas religiosos, muitas pessoas ficam surpresas ao descobrir um projeto desafiador tal como a filosofia da religião. Religião e filosofia, tais pessoas supõem, são como óleo e água: simplesmente não se misturam. O que poderia motivar essa atitude, e há alguma razão para concordar com isso?

Alguns sustentam que filosofia e religião deveriam ser mantidas separadas, pois as questões sobre a existência de Deus (por exemplo) estão simplesmente fora do alcance dos métodos filosóficos. Temas religiosos – assim diz essa linha de pensamento – são temas relacionados a gosto e opinião em vez de razão e argumento. Alguém poderia escolher a crença que Deus existe – ou, se for o caso, que Deus não existe –, mas tais questões não podem ser resolvidas pela razão e, mesmo considerando os relevantes argumentos, isso é uma perda de tempo.

Embora a posição há pouco expressada não seja incomum, existe pouca sustentação para recomendá-la. Primeiro, está longe de ser óbvio que questões sobre a existência de Deus estão fora do alcance da razão humana. Uma grande maioria de pensadores ao longo dos séculos – sem esquecer um grande número de pensadores contemporâneos – certamente rejeitariam essa afirmação. Para demonstrar que os relevantes temas religiosos estão fora do alcance da razão humana, alguém deveria, inicialmente, fornecer um relato dos limites da razão humana e depois mostrar que os temas religiosos estão além desses limites. Tal empreendimento foi ocasionalmente experimentado – o filósofo prussiano Immanuel Kant notavelmente arguiu a favor de uma versão desta visão – mas poucos teóricos olharam tal intento com sucesso. A filosofia da religião pode não ter conseguido fornecer respostas definitivas para as questões que ela coloca, mas não seria despropositado esperar que isto possa, pelo menos, iluminá-las.

Não há dúvidas de que as pessoas recorrem a considerações filosóficas quando discutem assuntos religiosos. Consideram argumentos pró e contra a existência de Deus; perguntam se a divina onisciência é compatível com o livre-arbítrio; e ficam intrigadas com a possibilidade dos milagres e das perspectivas de vida após a morte. É claro que podemos defender que essas considerações têm pouco impacto sobre as visões religiosas abraçadas por muitas pessoas. É certamente verdadeiro que as alavancas da crença não são movidas apenas pela força da razão; aliás, quando se trata de assuntos religiosos é questionável se a razão é mesmo a fonte primária da crença. Mas, embora as considerações filosóficas estejam longe de ser as únicas condutoras da crença, elas podem – e frequentemente fazem isso – ter um impacto sobre as convicções religiosas de uma pessoa.

Um segundo argumento para pensar que a religião e a filosofia devem ser mantidas separadas diz respeito a questões da autonomia e da liberdade religiosa. Alguém pode ser tentado a argumentar se foi legítimo recorrer a considerações filosóficas em decisões de fé, assim convicções religiosas que poderiam ser apresentadas como irracionais podem ser consideradas como suspeitas, e que – alguém poderia se preocupar –, por outro lado, tais questões estariam em desacordo com ideais profundamente valiosos relativos à liberdade religiosa e autonomia.

Podemos observar que talvez tenha algo errado com esse argumento observando que não há inconsistência em defender ambas, que a discussão política deveria ser esclarecida por considerações filosóficas e que a liberdade do pensamento político deveria ser respeitada. Onde, então, o argumento falha? Falha em assumir que apresentar objeções às visões de uma pessoa implica infringir a sua liberdade de crença. Embora certos modos de alterar crenças de uma pessoa – por exemplo, ao drogá-las ou submetê-las à pressão emocional – prejudiquem a autonomia desta, outros métodos não fazem isso. É crucial que os métodos de persuasão empregados na filosofia respeitem a autonomia, pois os argumentos filosóficos apenas recorrem a considerações que são racionalmente convincentes. Dessa forma, longe de enfraquecer uma autonomia individual, o engajamento filosófico é, na verdade, uma forma de respeitar essa autonomia. Além disso, o foco primordial do filósofo da religião não é com a avaliação crítica das posições de quem quer que seja, mas a avaliação crítica de sua própria posição.

Com esse pensamento em mente, vamos ao trabalho.


(...)

Timothy Bayne

Tradução: Andrei Venturini Martins | Revisão: Edvaldo Shamá | © Labô
Esta tradução corresponde às páginas 1 a 5 do livro: Philosophy of Religion: a very short introduction (United Kingdom: Oxford University Pres, 2018)

O sublinhado é nosso

 



LOLA

Filosofia da Arte - Resumo




Filosofia da Arte

O problema da definição da arte

 

O problema da definição de arte é uma das principais preocupações dos filósofos da arte e pode ser formulado do seguinte modo: «O que é a arte?».

Qualquer definição de arte deve captar adequadamente os dois usos comuns da palavra «arte»: o sentido classificativo (descritivo) e o sentido valorativo (avaliativo).

Dizer que algo é uma obra de arte no sentido classificativo (descritivo) é dizer simplesmente que esse objeto pertence a uma determinada classe.

Ao passo que:

Dizer que algo é uma obra de arte no sentido valorativo (avaliativo) é reconhecer que esse objeto, além de pertencer à categoria das obras de arte, é um bom exemplar dessa categoria, ou seja, é uma boa obra de arte.

Muitos autores consideram que a resposta ao problema da definição de arte implica encontrar uma definição explícita de arte, ou seja, estabelecer as condições necessárias e suficientes para que algo possa ser considerado arte. Isto significa que estes teóricos da arte têm tentado encontrar um conjunto de características que todas as obras de arte e só as obras de arte têm em comum. Uma vez que se dedicam a encontrar a essência da arte, estas teorias foram classificadas como teorias essencialistas da arte.

Contudo, nem todos os teóricos da arte consideram este tipo de abordagem muito promissor. Para estes autores, dada a natureza dinâmica, criativa e inovadora do fenómeno artístico, nunca conseguiremos estabelecer de forma segura um conjunto de propriedades intrínsecas que todas as obras de arte, e apenas elas, possuem em comum. Mas isso não implica necessariamente que não se pode encontrar qualquer tipo de definição de «obra de arte», apenas indica que em vez de nos focarmos nas propriedades intrínsecas dos objetos artísticos devemos focar-nos nos seus aspetos relacionais, processuais e contextuais, isto é, nas relações que estes estabelecem, nos processos por que passam e no contexto histórico e social que os envolve.

Uma vez que sustentam que não existe uma espécie de essência comum a todas as obras de arte, as teorias que se dedicam a encontrar uma definição de arte nestes moldes ficaram conhecidas como teorias não essencialistas da arte.

Vamos abordar três teorias essencialistas da arte – a teoria representacionista, a teoria expressivista e a teoria formalista – e duas teorias não essencialistas da arte – a teoria institucional e a teoria historicista.

Vejamos o que caracteriza cada uma destas perspetivas e quais os principais argumentos a favor e contra cada uma delas.

 

A teoria representacionista da arte

 

Uma das mais antigas teorias da arte de que há registo é a teoria da arte como representação.

Desde o século V a.C., que os filósofos, como Platão e Aristóteles, se têm interrogado acerca da natureza da arte. Estes autores debruçaram-se

sobre as principais manifestações artísticas do seu tempo e concluíram que aquilo que havia de comum entre elas era o facto de todas corresponderem a uma forma de representação da realidade.

Por representação entendemos o ato através do qual algo toma intencionalmente o lugar de outra coisa. Ou dito de outra forma:

Algo representa outra coisa se, e só se, um emissor tem a intenção

de que algo esteja em vez de outra coisa e o recetor compreende essa intenção.

Existem, contudo, diferentes tipos de representação. Desde logo, uma representação pode ser imitativa ou não imitativa. Por exemplo, alguns sinais de trânsito representam algo através da imitação da sua forma, mas outros não. O sinal de aproximação de um cruzamento representa a aproximação de um cruzamento imitando a forma do mesmo, mas o sinal de proibido estacionar limita-se a representar essa proibição, sem imitar a sua forma.

Platão e Aristóteles acreditavam que o tipo de representação envolvido na produção artística consistia simplesmente na imitação. Para estes autores:

 

Uma obra de arte só o é, quando imita algo.

 

Esta teoria ficou conhecida como teoria mimética da arte (ou teoria da arte como imitação). Note-se, contudo, que esta se limita a afirmar que todas as artes são imitações, mas não afirma que todas as imitações são

arte. Ou seja, de acordo com a teoria mimética, a imitação é uma condição necessária, mas não suficiente, para que algo seja considerado arte.

Os contemporâneos de Platão e Aristóteles elogiavam o talento do pintor grego Zeuxis pelo enorme realismo das suas obras. Diz-se que era capaz de pintar uvas tão realistas que os pássaros tentavam comê-las. Ainda hoje há quem diga que uma boa pintura deve assemelhar-se aos elementos retratados; ou que um filme é bom porque consegue captar a realidade tal como

ela é. Além disso, há quem considere que a pintura abstrata não é arte, porque não se parece com coisa alguma; ou que um filme não é arte, porque não tem qualquer relação com a realidade.

 

A teoria mimética tem sido criticada por ser demasiado restrita, pois exclui do conceito de arte várias obras oriundas das artes não imitativas, como a pintura abstrata, a arte decorativa, a arquitetura, a música instrumental, a found art e algumas formas de teatro, dança, cinema e literatura,

que não têm qualquer intuito imitativo. Estas obras constituem-se como contraexemplos óbvios à teoria mimética tal como esta foi defendida por Platão e Aristóteles.

Contudo, a teoria representacionista não precisa de se cingir à representação imitativa, pode adotar um sentido mais abrangente de representação, que inclui quer a representação imitativa, quer a representação não

imitativa. Uma tal teoria da arte pode ser genericamente formulada nos seguintes termos:

 

Algo é uma obra de arte só se é uma representação.

 

A teoria mimética exclui muitas obras de arte, mas, visto que a noção de representação é mais geral do que a noção de imitação, talvez a teoria representacionista numa versão mais lata resista melhor aos contraexemplos do que a teoria mimética. Por exemplo, segundo a versão mais lata da teoria representacionista, tal como as cinco quinas da bandeira portuguesa não imitam Portugal, mas antes representam este país, também a pintura abstrata de Mark Rothko não imita a aparência das coisas, mas antes representa a sua essência.

Assim, embora não possamos dizer que toda a arte implica imitação, talvez possamos dizer que toda a arte implica alguma forma de representação. Será a teoria representacionista numa versão mais lata verdadeira? Ou será que esta perspetiva também enfrenta sérias objeções e contraexem-

plos?

 

Vejamos em seguida algumas das principais objeções à teoria representacionista.

 

Críticas à teoria representacionista

É demasiado restritiva • Mesmo na sua versão mais lata, a teoria representacionista não está isenta de objeções, pois, uma vez que existem várias obras de arte que não são de todo representações, pode considerar-se que, ainda assim, esta teoria é demasiado restritiva. Apesar de passar a incluir algumas pinturas abstratas alegando que, embora não imitem a natureza

das coisas, estas, de certa forma, podem representá-la, a teoria representacionista continua a enfrentar alguns contraexemplos, pois continuam a existir obras de arte sem qualquer conteúdo representativo.

 

A teoria expressivista da arte

 

Com a expansão do movimento artístico romântico, ao longo do século XIX, a arte afasta-se definitivamente do objetivo de imitar a aparência das coisas e passa a ser encarada, sobretudo, como uma forma de dar corpo ao mundo subjetivo da experiência interior, dos estados de espírito, das emoções e das atitudes. Os teóricos da arte sentem necessidade de propor uma definição de arte que dê conta desta nova forma de encarar a criação artística. Surge, assim, a teoria expressivista da arte.

Uma das versões mais difundidas desta perspetiva é atribuída ao romancista russo Leão Tolstoi (1828-1910). Na sua obra O Que é a Arte?, Tolstoi defende que

 

“A arte é uma atividade humana que consiste nisto: um

homem  comunica  conscientemente a outros, por meio de certos sinais externos, os sentimentos de que teve experiência, e outras pessoas são contaminadas por estes sentimentos e também deles têm experiência.”

 

Ou seja, segundo Tolstoi:

 

Algo é uma obra de arte se, e só se, transmite as emoções do seu criador a um público.

 

Assim, de acordo com esta teoria, existem três condições necessárias, e conjuntamente suficientes, para a arte:


-O artista tem de experimentar um sentimento

 (condição experimentalista)

- O artista tem de criar uma obra que exprima esse sentimento

(condição expressivista)

- O público tem de ser contagiado por esse sentimento.

(condição identitária)


Por exemplo, a participação de Tolstoi na guerra despertou nele certos sentimentos. Escreve o romance Guerra e Paz como forma de expressar esses sentimentos. Por fim, o público lê a obra e deixa-se contagiar por esses sentimentos. Satisfeitas conjuntamente as três condições necessárias propostas por Tolstoi, temos assim uma condição suficiente para que o romance Guerra e Paz seja considerado uma obra de arte.

A teoria expressivista consegue abarcar muitos dos contraexemplos

não imitativos anteriormente apresentados à teoria mimética, pois, embora não imitem coisa nenhuma, podemos considerar que essas obras contagiam o público com os sentimentos dos seus criadores e, por conseguinte, seriam encaradas como obras de arte pelos defensores da perspetiva expressivista.

 

Críticas à teoria expressivista da arte


• A condição experimentalista - é demasiado restritiva, porque deixa de fora muitas obras que não tiveram na sua origem uma determinada experiência emocional do artista. Segundo a teoria de Tolstoi, para haver arte é necessário que o artista seja afetado por um sentimento que o leva a criar uma obra de arte. No entanto, é possível imaginar um artista desapaixonado a criar grandes obras de arte.

Aliás, a história está cheia destes exemplos. Muitas obras-primas da história da arte são encomendas de arte religiosa. Contudo, sabe-se que muitos dos seus autores não sentiram uma única vez a devoção religiosa que as suas obras inspiram, sem que isso signifique que tais obras não são arte.

 

Objeções à condição expressivista

• A segunda condição necessária da teoria expressivista sustenta que qualquer obra de arte tem de corresponder à expressão dos sentimentos do seu criador. No entanto, há muitas obras de arte que não expressam qualquer tipo de emoção e que, por conseguinte, constituem sérios contraexemplos a este requisito. Vejamos em seguida alguns desses contraexemplos.


Contraexemplo da arte aleatória – designa-se arte aleatória todo o tipo de composição artística que surge a partir de elementos aleatórios, fruto do acaso, precisamente com o objetivo de eliminar da criação artística qualquer vestígio dos estados emocionais do seu criador. Para esse efeito, os artistas substituem os processos subjetivos de decisão por procedimentos objetivos, fortuitos e aleatórios como, por exemplo, compor obras coletivas em que cada interveniente desconhece os restantes elementos da composição, salpicar tinta ao acaso, dispor aleatoriamente objetos, utilizar programas de computador para compor estruturas musicais, etc. Estas obras surgem como consequência destes processos e são mais aproveitamentos do acaso do que propriamente uma manipulação consciente de certos meios para dar corpo a um determinado sentimento ou emoção. Assim, também por este motivo, a teoria expressivista é considerada excessivamente restritiva, pois exclui determinadas obras apenas por não corresponderem à expressão das emoções dos seus criadores, independentemente dos seus méritos formais, plásticos ou sonoros.  

Contraexemplo da arte concetual – a arte concetual não tem como principal intuito transmitir emoções, mas sim despertar determina das ideias no seu público.

Por exemplo, grande parte da arte moderna e contemporânea visa deliberadamente desafiar a nossa compreensão do próprio conceito de arte (de escultura, pintura, música, dança, etc.), como acontece com as obras de Marcel Duchamp, Andy Warhol, John Cage, Yvone Rainer, Steve Paxton,etc. Portanto, uma vez que recusa o estatuto de arte às obras destes autores, a teoria expressivista revela-se, mais uma vez, demasiado restritiva.


Contraexemplo da arte percetiva – a chamada arte percetiva é criada com o único propósito de estimular as nossas estruturas sensoriais.

A arte decorativa, por exemplo, com os seus padrões geométricos e arabescos, não visa necessariamente exprimir nenhuma emoção em particular. O mesmo acontece com alguns estilos musicais e alguns tipos de performance. São criações que visam apenas ser agradáveis para os sentidos, sem qualquer pretensão de comunicar as emoções do artista.

Estas obras não exprimem prazer, limitam-se a provocá-lo através das suas configurações formais, plásticas e/ou sonoras. Ou, então, procuram apenas explorar a forma como certos efeitos visuais interagem com o nosso aparelho ótico, como acontece com a Op Art (arte ótica).

Com efeito, aceitar a teoria expressivista, teria a estranha consequência de recusar o estatuto de arte à arte percetiva.

 

 

Objeções à condição identitária

• A condição identitária também pode ser bastante restritiva, pois considera que algo só é arte se o público experimentar as mesmas emoções que o artista. Desde meados do século XX, grande parte dos críticos e filósofos da arte considera que apreciar uma obra em função da intenção que o artista tinha quando a criou é cometer aquilo que apelida de “falácia intencional”. Segundo estes autores, a intenção original do artista é irrelevante para se apreciar genuinamente uma obra, que deve valer por si e pelas interpretações que suscita, independentemente de estas corresponderem ou não àquilo que o artista pretendia transmitir quando a concebeu.

Na verdade, é muito estranho pretender que as emoções do público tenham de ser idênticas às do artista. Isso não se verifica (nem pode verificar) em diversas ocasiões. Os artistas podem nunca experimentar as mesmas emoções que despertam no seu púbico. Por exemplo, inspirar medo quando sentem ódio, podem despertar o desejo de consumir um produto quando sentem vontade de manipular os consumidores, ou incentivar a devoção religiosa quando sentem pena dos crentes, etc.

Nem toda a transmissão de emoções é arte

• A teoria expressivista também pode ser acusada de ser excessivamente inclusiva pois, podemos imaginar uma situação em que alguém:

 

i)  experimenta um sentimento – por exemplo, a tristeza de perder um familiar;

 

ii)  exprime esse sentimento – chora convulsivamente e grita algumas palavras de revolta;

 

iii)  contagia outra pessoa com esse sentimento – essas ações fazem

com que outra pessoa se recorde de como se sentiu quando ela própria perdeu um familiar, despertando novamente esse sentimento.

 

De acordo com a teoria expressivista, estão reunidas as condições suficientes para estarmos na presença de uma obra de arte, mas isso seria absurdo, pois não permitiria distinguir uma obra de arte de um qualquer desabafo emocional entre duas pessoas amigas. Deste modo, podemos concluir que há transmissão de emoções que não é arte e, uma vez que não consegue

excluir estes casos, a teoria expressivista deve ser rejeitada por ser demasiado inclusiva

 

A teoria formalista da arte

A primeira formulação explícita e acabada da teoria formalista da arte é geralmente atribuída a Clive Bell (1881-1964). No seu livro de 1914, intitulado Arte, Bell defende que:


Algo é uma obra de arte se, e só se, tem forma significante.

 

Segundo Bell, uma forma significante é uma configuração de linhas, cores, formas e espaços que tem a capacidade de provocar um determinado tipo de emoção no espetador – uma “emoção estética”. Neste sentido, atribuir o estatuto de obra de arte a um objeto é dizer que as suas linhas, cores, formas

e espaços têm a capacidade de gerar esse tipo de emoção naqueles que o contemplarem.

Uma vez que abandona os requisitos imitativos e expressivistas das teorias anteriores, a teoria formalista acomoda facilmente os contraexemplos da arte moderna e contemporânea que afetam essas perspetivas.


Críticas à teoria formalista da arte

Nem toda a arte tem como principal intuito exibir forma significante •

A teoria formalista é demasiado restritiva, pois deixa de fora toda e qualquer obra de arte que não tenha uma forma significante. Por exemplo, a chamada “arte demoníaca” é geralmente concebida com o principal intuito de assustar os seus observadores, como acontece com as gárgulas nos castelos e nas catedrais, ou as gravações presentes em armaduras ou outros instrumentos de batalha tradicionais. Ora, é manifestamente implausível afirmar que estas obras servem simultaneamente para assustar o observador e provocar uma emoção estética, isto é, proporcionar um certo tipo de prazer visual.

    O conceito de forma significante é difícil de definir • Bell oferece uma definição viciosamente circular de forma significante, pois recorre à noção de emoção estética para definir forma significante, mas define a noção de emoção estética em função da noção de forma significante. Com efeito, Bell define a noção de forma significante como uma configuração de linhas, cores, formas e espaços que tem a capacidade de provocar uma emoção estética no espetador, mas simultaneamente define emoção estética como

o tipo de emoção que sentimos quando estamos perante certas configurações de linhas, cores e formas, ou seja, quando estamos perante uma forma significante.

Alternativamente, o formalista poderia tentar definir forma significante como qualquer configuração, ou forma, que relacione de modo adequado as diferentes partes de um todo. No entanto, não só existem obras de arte que não relacionam partes de um todo – a arte minimalista, por exemplo, é frequentemente constituída por um único elemento, pelo que dificilmente podemos considerar que relaciona de modo adequado diferentes partes –, como também seria impossível distinguir obras de arte de outros objetos comuns que relacionassem de modo adequado diferentes partes de um todo, pois, nesse caso, qualquer coisa, desde um carro até uma esferográfica, teria forma significante. Por conseguinte, esta definição teria simultaneamente a desvantagem de ser demasiado restritiva e demasiado inclusiva.

Há obras de arte com formas indistinguíveis de objetos comuns

  A teoria formalista sustenta que aquilo que distingue uma obra de arte de um objeto comum é o facto de este ter sido concebido de modo a que as suas propriedades formais produzam uma determinada emoção no seu espetador. No entanto, existem muitas obras de arte que têm exatamente as mesmas propriedades formais de certos objetos do quotidiano aos quais esse estatuto não é reconhecido, como acontece, por exemplo, com os ready-made e outros exemplos da chamada found art. De acordo com a teoria formalista, isso não seria possível. Assim como não seria possível distinguir o valor artístico de uma obra genuína do valor de uma falsificação bem executada, pois, de um ponto de vista estritamente formal, seriam indistinguíveis.

Por vezes a forma é inseparável do conteúdo

• Muitas vezes, é impossível apreciar o valor de uma obra de arte concentrando-nos apenas nas suas propriedades formais e ignorando inteiramente o seu conteúdo imitativo  e/ou expressivo: o que há de apelativo em muitas formas é justamente o modo inteligente e cativante como dão corpo a determinados conteúdos. Nesses casos, forma e conteúdo tornam-se inseparáveis a ponto de ser impossível sustentar que o conteúdo é irrelevante para a apreciação da obra.


A teoria institucional da arte

Na década de 1950, num importante ensaio intitulado «O Papel da Teoria na Estética», o filósofo da arte Morriz Weitz sustenta que o fracasso das teorias essencialistas da arte se deve ao facto de todas elas assumirem erradamente que existe um conjunto de condições necessárias e suficientes para a arte. Weitz considera que não devemos procurar uma característica que seja partilhada por todos os objetos artísticos, pois não só isso não se verifica, como teria uma implicação indesejável caso se verificasse: estaria a impor limites a uma atividade que se caracteriza justamente pela sua abertura à mudança, à expansão e à inovação.

Assim sendo, Weitz rejeita qualquer definição essencialista, por con-

siderar que, ao indicar as propriedades que as criações deveriam possuir a fim de poderem ser consideradas obras de arte, este tipo de perspetiva tem um efeito castrador da criatividade dos artistas. A posição de Weitz ficou conhecida como «antiessencialismo».

Contudo, ao contrário do que se possa supor, do facto de não ser possível fornecer uma definição essencialista da arte não se segue necessariamente que nenhuma definição de arte possa ser encontrada. As definições essencialistas caracterizam-se por apresentar condições necessárias e suficientes para as obras de arte serem consideradas como tal; trata-se de propriedades que todas as obras de arte e só as obras de arte exibem, e não poderiam deixar de exibir sem que, por esse motivo, deixassem de ser obras de arte.

 No entanto, apesar de não ser fácil encontrar propriedades que todos os objetos artísticos exibam, talvez seja possível encontrar uma definição de arte que assente não em propriedades intrínsecas e manifestas dos objetos artísticos, mas sim em propriedades extrínsecas e relacionais, isto é, que não sejam inerentes ao próprio objeto em si mesmo considerado, mas que dependam fundamentalmente do tipo de relações que este estabelece com outras realidades.

 É justamente este tipo de sugestão que Arthur Danto apresenta no seu artigo de 1961 intitulado «O Mundo da Arte». Nesse artigo, Danto analisa a obra Caixa de Brillo, de Andy Warhol, e conclui que aquilo que distingue a obra de Warhol da dos seus semelhantes no quotidiano não são as suas características formais, nem quaisquer outras características que lhe sejam intrínsecas, mas sim o facto de esta se inserir no contexto de uma prática social instituída – o mundo da arte.

Com este artigo, Danto chamou a atenção para a natureza institucional da arte e, em 1974, o filósofo americano George Dickie formulou de modo articulado a primeira teoria institucional da arte. De acordo com esta teoria:

 

Algo é uma obra de arte, no sentido classificativo, se, e só se, algo é um artefacto que possui um conjunto de características ao qual foi atribuído o estatuto de candidato a apreciação por uma ou várias pessoas que atuam em nome de determinada instituição social: o mundo da arte.

 

Esta definição estabelece duas condições necessárias conjuntamente suficientes para que algo seja arte. O primeiro requisito é o da artefactualidade.

Tradicionalmente, a palavra “artefacto” é utilizada para designar um objeto construído ou transformado por mãos humanas. Contudo, o sentido que Dickie atribui à noção de artefacto é bastante mais lato do que o tradicional, pois este considera que, para além dos objetos materiais concretos produzidos ou transformados pelos seres humanos, também os movimentos de uma coreografia, ou as notas  de uma melodia, por exemplo, são artefactos, e mesmo objetos que não foram manufaturados ou cujas propriedades formais não foram alteradas pela intervenção direta de um ser humano podem, em determinados contextos, adquirir o estatuto de artefacto, por serem utilizados de certa maneira por alguém.

Por exemplo, se pegarmos num pedaço de madeira e o usarmos para nos defendermos de um cão, este passa a poder ser considerado uma arma, apesar de as suas propriedades formais não terem sido alteradas.

Algo de semelhante pode ocorrer no contexto da arte. Se o pedaço de madeira tivesse sido recolhido e exibido numa exposição como uma pintura ou uma escultura, também se teria convertido num artefacto. Assim, o uso que Dickie faz da palavra “artefacto” acolhe perfeitamente, entre outros, os desafios lançados pelos ready-made e pela found art, pelo que a artefactualidade não pode constituir uma condição demasiada restritiva para arte.

Mas será que esta condição constitui um constrangimento da prática artística, no sentido apontado por Weitz? Isto é: será que o requisito da artefactualidade limita a criatividade dos artistas?

Dickie considera que não, pois, na sua opinião, a existência de um artefacto é uma condição necessária para a criatividade. Sem artefacto (entendido neste sentido lato) não se pode dizer que tenha havido lugar a qualquer tipo de criação.

A segunda condição imposta pela teoria institucional diz-nos que para que um artefacto seja uma obra de arte é necessário que uma (ou várias pessoas) que atuam em nome do mundo da arte atribua (ou atribuam) o estatuto de candidato a apreciação a um conjunto das suas características.

Mas o que significa isto exatamente? Comecemos por perceber o significado de “atribuição de estatuto”.

Dickie fornece exemplos de atribuição de estatuto fora do contexto artístico para tornar a noção mais familiar:

 

“Os exemplos mais óbvios de atribuição de estatuto são determinadas ações legais dos Estados. (…) A Assembleia da

República ou uma comissão legalmente constituída podem conferir estatuto de parque ou de monumento nacional a uma área ou a uma coisa. (…) Nesses casos tem de existir um sistema social como quadro no âmbito do qual a atribuição tem lugar (…).”

 

Segundo Dickie, a found art é, em grande medida, responsável por chamar a atenção para o ato de conferir o estatuto de arte, pois alguns artistas conferiam o estatuto de arte a objetos vulgares formalmente indistinguíveis das suas contrapartes mundanas. Essa atribuição tem lugar no contexto de uma prática social instituída, que Dickie apelida de “mundo da arte” (para usar a expressão de Danto).

Assim sendo, o mundo da arte é uma instituição social no seio da qual há lugar para atribuições de estatuto, por parte dos seus representantes. Claro que o mundo da arte não é uma instituição formal com uma constituição formalmente estabelecida, funcionários, hierarquias e regulamentos perfeitamente definidos, mas esse não é o único tipo de instituições que existe. Existem instituições informais que se estruturam de forma menos rígida, a partir de práticas sociais mais ou menos estabelecidas.

Segundo Dickie, o

 

“núcleo fundamental do mundo da arte é um conjunto vagamente organizado (…) que inclui artistas (…), produtores, diretores de museus, visitantes de museus, espetadores de teatro, jornalistas, críticos de todos os tipos de publicações, historiadores da arte, teóri-

cos da arte, filósofos da arte e outros. (…) Todos estes papéis estão institucionalizados e têm de ser aprendidos, de uma forma ou de outra, pelos participantes.”

 

Uma vez constituída a instituição social do mundo da arte, basta que um dos seus membros, muitas vezes o próprio artista, atue como representante dessa instituição e atribua o estatuto de candidato à apreciação a um determinado artefacto. Quando isso acontece, esse artefacto passa a ser considerado uma obra de arte no sentido classificativo.

Fica ainda em aberto a questão de saber se se trata de uma obra de arte no sentido valorativo. De acordo com esta teoria, uma obra de arte no sentido valorativo (isto é, uma boa obra de arte) é um candidato à apreciação que efetivamente chega a ser apreciado, ao passo que uma má obra de arte não.

Neste sentido, atribuir o estatuto de candidato à apreciação a um artefacto acarreta uma certa responsabilidade, pois caso ninguém o venha a apreciar, a pessoa que fez essa atribuição pode perder alguma credibilidade

Por fim, resta-nos destacar que o estatuto de candidato à apreciação é atribuído não exatamente ao artefacto como um todo, mas sim a um conjunto das suas características. Isto porque existem características do artefacto que não são relevantes para o seu estatuto enquanto arte, como, por exemplo, a moldura de uma pintura (salvo algumas exceções em que esta faz parte da obra), a cor da parte de trás da tela, o fio que a sustenta na parede, etc.

 

A teoria institucional da arte parece ter alguns méritos relativamente às suas rivais. Os filósofos da arte precedentes estavam tão focados nas características figurativas ou expressivas da arte que acabaram por ignorar completamente a sua natureza institucional e a propriedade não exibida do estatuto.

Isto acontece porque, ao contrário das teorias anteriores, a teoria institucional oferece uma definição processual, e não uma definição funcional de arte, pois defende que aquilo que faz com que algo seja uma obra de arte não são os seus efeitos ou funções, mas sim o modo como é tratado por quem o criou, por quem o expõe e por quem o aprecia.

 

Críticas à teoria institucional da arte

A teoria institucional é, por vezes, acusada de elitismo

• A teoria institucional da arte é, por vezes, criticada por ser elitista e antidemocrática, visto que confere poderes especiais a um círculo fechado de indivíduos:

os membros do mundo da arte. Se só os membros do mundo da arte têm o poder de conferir estatuto de arte aos artefactos, então estes indivíduos possuem uma espécie de toque de Midas transformando em ouro – neste caso, em arte – tudo aquilo que consideram digno de ser apresentado como candidato à apreciação.

 

Faz da arte algo de arbitrário e infundado • A teoria institucional levou a sério as recomendações de Weitz quanto à necessidade de preservar a criatividade inerente ao processo artístico e, portanto, sustenta que qualquer coisa pode tornar-se arte, desde que esse estatuto lhe seja atribuído por um representante do mundo da arte. Muitos autores veem aqui uma razão para rejeitar

esta teoria, pois parece admitir demasiadas coisas como obras de arte. Se qualquer coisa pode ser uma obra de arte, que razões temos para nos preocuparmos com a distinção entre arte e não-arte?

Imaginemos que um representante do mundo da arte se lembrava de atribuir o estatuto de arte a tudo o que existe – coisa que pode até já ter acontecido. Assim, a teoria institucional seria forçada a aceitar que tudo o que existe é, de facto, arte. Nestas circunstâncias, uma definição de arte tornar-se-ia totalmente inútil e desinteressante


A teoria histórica da arte

A crítica da teoria institucional da arte é o ponto de partida para a teoria histórica da arte defendida por Jerrold Levinson. À semelhança da teoria institucional, também a teoria histórica de Levinson procura definir arte apelando a propriedades extrínsecas e relacionais/contextuais, e não a propriedades intrínsecas e manifestas dos objetos. Contudo, Levinson procurou desenvolver uma teoria da arte que possibilitasse a existência de arte solitária, isto é, de arte fora do contexto institucional do mundo da arte.

Para Levinson:



Algo é uma obra de arte se, e só se, alguém com direitos 

de propriedade sobre esse algo 


tem a intenção séria de que esse algo seja encarado da

mesma forma como foram corretamente encarados outros objetos abrangidos pelo conceito de «obra de arte».

Assim, de acordo com esta perspetiva, mesmo um homem do período Neolítico (isto é, de um período anterior à constituição da instituição social do mundo da arte) poderia produzir uma obra de arte ao combinar algumas pedras coloridas de forma a provocar prazer visual. Isto acontece porque uma das formas como as obras de arte foram corretamente encaradas ao longo da história é, precisamente, como objetos que visam produzir prazer visual.

Claro que também existem objetos que foram concebidos com o intuito de provocar náusea visual e que, ainda assim, são considerados obras de arte, mas isso só se verifica porque, embora estas duas intenções sejam diametralmente opostas, ambas possuem bons precedentes históricos, isto é, ambas correspondem a formas como as obras de arte foram corretamente encaradas ao longo dos tempos.

Note-se que se diz «foram corretamente encaradas» e não simplesmente «foram encaradas». Isto justifica-se porque algumas obras de arte podem perfeitamente ter sido erradamente encaradas de uma determinada forma, quando na verdade deveriam ter sido encaradas de outra maneira. Para ilustrar esta situação consideremos o seguinte exemplo:

Imaginemos que no passado alguém encarou os painéis de São Vicente como um bom tapume para a construção civil. No entanto, embora os painéis de São Vicente sejam efetivamente obras de arte, isso não seria suficiente para tornar todos os tapumes da construção civil em obras de arte. Isto acontece porque os referidos painéis foram erradamente encarados como tapumes da construção civil, quando na verdade deveriam ter sido encarados como um retrato da Corte e de vários estratos da sociedade portuguesa da época.

Assim, para que um objeto seja uma obra de arte não basta que esse objeto seja encarado tal como certas obras de arte foram encaradas no passado, é preciso que ele seja encarado tal como certas obras de arte foram corretamente encaradas no passado.

Segundo Levinson, para que um objeto seja uma obra de arte, não se exige que o artista tenha consciência de que a sua intenção tem bons precedentes na história da arte, basta que esses precedentes, de facto, existam. O que quer dizer que o criador pode nem sequer ter consciência de que aquilo que produziu é uma obra de arte.

Uma vez que recorre a exemplos conhecidos da história da arte, pode dizer-se que esta teoria define arte historicamente, daí ter sido designada «teoria histórica da arte».

Contudo, a existência de bons precedentes históricos não é uma condição suficiente para que um objeto seja efetivamente uma obra de arte; Levinson acrescenta alguns requisitos que precisam de ser igualmente satisfeitos.

 

- Um desses requisitos é o de que a intenção em causa seja uma intenção séria. Isto quer dizer que, qualquer que seja a intenção por detrás da criação, ela não pode ser momentânea, passageira ou meramente ilustrativa. Por exemplo, para

ilustrar esta teoria um professor poderia sugerir aos seus alunos que tinha a intenção de que a sua caneta fosse encarada como um ready-made, isto é, como um objeto do quotidiano ao qual foi atribuído o estatuto de obra de arte com o intuito de desafiar a compreensão do conceito de arte. Ora, como os ready-made são obras de arte e alguns deles foram concebidos com essa mesma intenção,

isso significa que existem bons precedentes históricos e, por conseguinte, pode parecer que a teoria histórica está condenada a considerar que o professor acabou de criar uma obra de arte. Contudo, uma vez que a intenção do professor era meramente ilustrativa, e não uma intenção séria, não se pode dizer que o professor tenha efetivamente criado uma obra de arte

 

- O outro requisito é o de que o artista tenha direitos de propriedade sobre o objeto em questão. De acordo com este requisito, não se pode dizer que alguém produziu uma determinada obra de arte se, logo à partida, essa pessoa não tinha sequer o direito de usar esse objeto fosse de que maneira fosse.

Para ilustrar aquilo que está aqui em causa, pensemos no seguinte exemplo. Marcel Duchamp tentou, sem sucesso, converter o «Edifício Woolworth», em Nova Iorque, num dos seus ready-made. Uma possível explicação para o facto de esta tentativa não ter sido bem-sucedida pode ser precisamente o facto de Duchamp não ter direitos de propriedade sobre o edifício.

A teoria histórica apresenta algumas vantagens sobre as teorias precedentes. Não só possibilita a existência de arte solitária, como mostra por que razão na arte vale tudo, embora nem tudo resulte. A razão pela qual vale tudo é que não existem limites definidos em relação ao tipo de coisas que as pessoas podem seriamente pretender que sejam encaradas como obras de arte. A razão pela qual nem tudo resulta é que para que algo seja, atualmente, considerado arte é preciso ter em conta a história da arte.

Assim sendo, não há garantias de que um determinado uso presente da palavra «arte» seja legitimado pela história da arte.

Apesar das suas virtudes, a teoria histórica da arte também enfrenta críticas.

Vejamos, em seguida, em que consistem algumas delas.

Críticas à teoria histórica da arte

Não explica por que razão a primeira obra de arte é considerada arte

• Um dos primeiros problemas que se levanta perante esta teoria é o seguinte: se o que faz com que algo seja uma obra de arte é a sua relação com a arte anterior, então como surgiu a primeira obra de arte? Esta (hipo-tética) obra não tem bons precedentes aos quais possamos apelar. Ora, na impossibilidade de recorrer a casos precedentes, a teoria histórica revela-se incapaz de explicar por que razão a primeira obra de arte é considerada arte.


É demasiado inclusiva • Uma outra crítica à teoria histórica prende-se com o facto de esta não prever que certas formas de encarar a arte no passado expirem. Uma pessoa pode criar um objeto com a intenção séria de que ele seja encarado como as grandes obras do passado eram corretamente encaradas e ainda assim não produzir uma obra de arte, pois aquilo que, no passado, se considerava ser uma forma correta de encarar as obras de arte deixou de fazer sentido por qualquer motivo.

Por exemplo, uma parte significativa das obras do passado consistia em retratos cujo objetivo era representar o modelo tão fielmente quanto possível. Ora, existem hoje vários exemplos de objetos que partilham essa intenção com os grandes retratos

do passado, e, no entanto, não são obras de arte – como acontece, por exemplo, com as fotografias tipo-passe, ou com os retratos-robô que a polícia utiliza para identificar criminosos. Qualquer teoria que não consiga excluir estes objetos do domínio artístico será considerada demasiado inclusiva.

 

É demasiado exclusiva • Também há quem considere que a teoria histórica da arte é demasiado exclusiva, por não se poder dizer que alguns exemplos de obras que são hoje expostas em museus como genuínas obras de arte foram criados com a intenção séria de que fossem vistos como as obras de arte precedentes. Por exemplo, algumas estátuas de demónios, escudos e capacetes de guerreiros destinavam-se a assustar e afastar os seus observadores. Contudo, esta intenção não é reconhecidamente uma das formas de encarar corretamente as obras de arte precedentes. À luz da teoria história da arte, isso implicaria que estas obras não poderiam ser legitimamente consideradas obras de arte. Mas na verdade, há objetos que são reconhecidos como arte independentemente das intenções dos seus criadores.

Além disso, também há quem veja na condição dos direitos de propriedade um fator de exclusão excessiva. Vejamos por exemplo o graffiti.

Os graffiters fazem as suas criações artísticas em túneis, carruagens de comboio e metro, casas e fachadas que não lhes pertencem. Quer isso dizer que, por esse motivo, essas criações não podem ser consideradas arte? E se Picasso tivesse pintado ilegalmente a Guernica na lateral de uma carruagem de metro, esta deixaria de poder ser considerada arte, apesar de a sua forma ser exatamente a mesma? Estas interrogações parecem sugerir que a teoria histórica exclui arbitrariamente do conceito de arte algumas obras simplesmente porque o artista não é proprietário dos meios de produção (nem tem qualquer outro tipo de direito sobre a utilização dos mesmos)


Luís Veríssimo

Domingos faria

Resumos Filosofia 11º ano, 

Sebenta


LOLA

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